Encontro com Raquel Teixeira

Por: Alexandre Parrode
Em um período de descrença com a classe política e descrédito de pessoas públicas, ser aclamada a assumir uma posição de destaque em um governo não é para qualquer um.
A professora Raquel Teixeira foi unanimidade. Desde o momento em que o governador Marconi Perillo (PSDB) sinalizou que iria convidá-la a assumir a pasta da Educação, Cultura, Esporte e Lazer – que tem status de supersecretaria –, sindicatos, líderes da classe, professores e alunos comemoraram a decisão.
Também pudera: com uma carreira profissional e acadêmica única, Raquel tem o desafio de manter os avanços conquistados nos últimos anos, como o 1º lugar no Ideb, e superar desafios que não são só de Goiás, mas do Brasil.
Bem-humorada e sem papas na língua, a secretária contou à Zelo como se mantém ativa, relembrando seus mais de 45 anos de carreira. Mesmo com a agenda cheia, Raquel nos recebeu por cerca de uma hora, quando falou de educação, mas também de sua vida pessoal, relação com os filhos e com a política. Confira!
  • A Secretária recebeu a equipe da Zelo por cerca de uma hora e falou sobre carreira, rotina e vida pessoal (Foto: Ângela Motta)
Zelo – Como foi voltar à secretaria de Educação?
Raquel – Para mim, foi simbólico. Eu fui a primeira secretária de Educação do primeiro governo Marconi, em 1999. Acho que lá atrás, começamos um ciclo virtuoso de políticas públicas em educação. Como este deve ser o último mandato do governador, acho que terminar este ciclo significa orgulho e agradecimento.
Fizemos grandes avanços durante os últimos anos: informatizamos as matrículas; apenas 32% dos professores tinham curso superior, criamos a Licenciatura Plena para que todos pudessem ter acesso à Universidade; informatizamos todo o sistema educacional; criamos o Cantinho de Leitura, quando colocamos uma biblioteca dentro de cada sala de aula do 1º ao 5º ano — de todas as escolas públicas, estaduais e municipais também. Enfim, foram grandes avanços dessa política continuada, que colhemos recentemente com o 1º lugar nacional no Índice de Educação Básica (Ideb).
Zelo – Quais são os desafios?
Raquel – A situação é completamente diferente… Eu fui secretária quando 45% do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) pagava a folha de professores e eu tinha 55% para fazer investimentos. Hoje, 100% do fundo não paga os salários. É preciso complementar com recursos do Tesouro do Estado. O País está em recessão. Aqui em Goiás, como em todo o Brasil, o ICMS está caindo e o dinheiro da educação é proporcional à arrecadação — sendo um percentual do orçamento estadual.
Costumo explicar a situação dizendo que o Estado está “doente”. Sendo assim, este será um ano de “dieta profunda”, mas tenho certeza que nós começamos a “nos cuidar” antes dos outros Estados e vamos sair antes e mais fortes do que os outros. Inclusive, podendo investir mais nas escolas. Estou preocupada com o momento, mas confiante no futuro.
Zelo – Como a Raquel faz para lidar com esse estresse diário?
Raquel – Aqui é não é um leão por dia não. É um leão por minuto (risos). Mas, eu não tenho preguiça de trabalhar. Não fico estressada… Tenho consciência das limitações e acredito no que estamos fazendo. Isso facilita. Claro que eu gostaria de ter céu de brigadeiro o tempo todo… Mas a vida não é assim.
Faço ginástica duas vezes por semana, sistematicamente de manhã. É o que eu consigo, mas também não deixo de fazer. Tenho uma série de músicas tipo meditação, que gosto muito. Na hora de dormir, ponho o celular do lado com uma música relaxante.
Zelo – Com a rotina pesada, leva trabalho para casa?
Raquel – Não. Eu consigo não transformar o humor da minha família em função dos meus problemas. Tenho um marido extremamente companheiro. Eu não converso sobre trabalho com ele, mas é óbvio que ele percebe. Acontece, por exemplo, de eu estar incomodada com algo, e ele acordar à uma hora da manhã e eu estar rezando, aí, às duas, eu estar tentando meditar, às três, com um livro nas mãos, às quatro, no computador, às cinco, rezando de novo. “Bem, devolve essa secretaria para o governador”, sugeriu ele. Mas, aí morre o assunto… Ele não fica alimentando, me respeita muito.
Zelo – São três mulheres no primeiro escalão do governo estadual — de um total de dez secretarias –, a senhora, na Educação, Ana Carla Abrão, na Fazenda, e Lêda Borges, na Direitos Humanos, como a sra. avalia a posição da mulher em Goiás?
Raquel – Ana Carla é a representação da mulher moderna. As mulheres da minha geração se destacaram ou pela educação, ou pelas artes. Já a dela, que é a mesma da a de minha filha — Andrea Teixeira, presidente da divisão de bebidas da PepsiCo Brasil –, tem outro perfil. Veja só, ela é responsável por uma das pastas de maior importância: o equilíbrio financeiro e fiscal do Estado está nas mãos dela. Isso é uma grande conquista. E, consequentemente, significa que todas as áreas, todo o mundo profissional em si, estão abertas a homens e mulheres igualmente. Isso é muito importante.
Zelo – Sobre seus filhos, como foi, para elas, crescer com uma mãe tão atuante, política?
Raquel – Claro que tive muita reclamação. “Você não gosta de mim, você gosta mais da universidade”… Teve disso, não tem como! Para você ter uma ideia, às vezes, eu esperava eles dormirem para poder estudar. Sempre fui muito caxias. Tive meus filhos muito nova, me casei com 21 e aos 23 eu já tinha dois filhos. De manhã eu estudava, dava aulas à tarde e à noite cuidava dos filhos. Foi um período de muito sacrifício, mas que continua até hoje. Mas, nesta nova geração, o homem ajuda mais.
Meu marido sempre foi muito companheiro, mas nunca levou nem buscou “menino” em escola, no médico… Não sabia nem quem era o dentista, nunca foi ao supermercado. Quer dizer, acabava que a mulher acumulava tudo. Hoje, eu vejo meu filho e meu genro: eles dividem a educação dos filhos com as esposas. O que é um avanço. Quando eu digo que minha geração preparou isso, é porque nós construímos um mundo diferente, de direitos iguais.
Zelo – Quando tomou a decisão de entrar para a política? Houve resistência?
Raquel – Eu só tomei a decisão depois de consultar toda a família. Mãe, pai, marido, filhos… Reuni todos e expliquei que estava sendo convidada, estimulada. Perguntei: “O que vocês acham?”. Minha mãe, que era a matriarca, disse: “Eu tenho pena de você porque a política é uma vida árdua, mas se as pessoas honestas não tiverem coragem de enfrentar determinados desafios, nós não podemos nem reclamar depois”. Só que eles nunca participaram, fizeram campanha e/ou comício. Ninguém gosta de política lá em casa. A forma de ajudar foi não atrapalhar.
Zelo – Tem perspectiva de nova candidatura?
Raquel – Não. Eu acho que eu já dei a minha contribuição. Gostei muito de ser deputada, mas dois mandatos foram suficientes. Fiz os projetos de lei que eu achava que eram importantes, acho que deveria haver um limite quanto ao número de mandatos de parlamentares, também. Então, até para ser coerente com minha opinião, eu não iria querer me perenizar. Política tem que ter renovação, cabeças novas chegando e saindo.
Zelo – Como a senhora se mantém atualizada?
Raquel – Eu sou estudiosa. O fim de semana é quando eu me dou um tempo para ler e estudar. Acontece, muitas vezes, de eu acordar às cinco da manhã e pegar uma horinha para leitura. A área — da Educação — é muito dinâmica… Se eu não me dedicar, não saberia definir as políticas, diretrizes, orientar os superintendentes, gerentes, diretores de escola. Por isso, eu sempre tenho tempo para estudar. Agora, informação geral, eu leio jornais e uso as redes sociais. Televisão eu não vejo nunca.
Zelo – A senhora é sempre muito ativa nas redes sociais, não é?
Raquel – Sou! O tempo que eu estou no carro — ela tem motorista –, eu entro no Twitter, Facebook. Não sou de fazer grandes textos, análises aprofundadas. Você nunca vai ver um texto enorme, maduro, bem pensado em uma rede social, isso eu faço em outro contexto.
Zelo – Produz muito?
Raquel – Eu tenho alguns textos, análises. Mas, os estou guardando para fazer uma publicação. Tenho livros acadêmicos, teses, artigos científicos… De leitura geral, tenho um livro que é um conjunto de artigos que eu publicava semanalmente no Diário da Manhã.
Zelo – Quando a senhora assumiu, pela primeira vez em 1999, houve alguma resistência por parte de alguém em estar subordinado a uma mulher?
Raquel – Não, eu nunca me senti discriminada, nem desrespeitada. E olha que já fui chefe de muitos homens. Agora, eu acho que a minha trajetória intelectual dá segurança para as pessoas que estão comigo. Quando eu dou diretrizes, as pessoas sabem que não estou inventando da minha cabeça. Comecei a dar aulas na Universidade de Brasília aos 21 anos de idade — me formei em julho, fiz concurso e, em agosto, eu já estava dando aula. Fui uma das pessoas mais novas a dar aula. Só tinha graduação, fiz o mestrado enquanto era professora.
Tenho mestrados, doutorados, Ph.D., fui pesquisadora do CNPQ, participei do Conselho Nacional de Educação, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguísticas. As pessoas sabem que quando eu estou falando, tenho uma fonte, tem evidência científica, tem comprovação… Eu não sou do “achismo”, acho que é bom ter opinião, mas quando a orientação é técnica é preciso ter uma base sólida.
Respeito as diferenças, as diversidades. Acredito que há pessoas com formações diferentes, algumas tem mais oportunidades que outras de estudar. Eu me considero privilegiada, nasci em uma família que estimulava muito a leitura. Eu me lembro, não sei se tinha oito ou nove anos, era uma menina que minha família ia para Hidrolândia chupar jabuticabas e eu preferia ficar sozinha em casa o domingo inteiro estudando. O desejo de estudar é uma coisa que desde criança eu carrego.
Zelo – Passou esse desejo para seus filhos também?
Raquel – Todos eles gostam de estudar, leem muito.
Zelo – Como a família se reúne, já que as duas filhas moram em São Paulo?
Raquel – Aos feriados elas sempre vêm. Fim de ano, obrigatoriamente, viajamos juntos, todos os filhos e netos. Acredito que dá sim para ficar juntos, basta ter planejamento. A família está na minha agenda, mas é claro que surgem imprevistos, compromissos designados pelo governador que não tem como prever.
Zelo – A relação com o governador durante todos esses anos já virou amizade, não é?
Raquel – Sim, sim. Mesmo os quatro anos nos quais eu fiquei completamente fora da vida pública — quando ela presidiu a Fundação Jaime Câmara –, nunca perdi o contato com Marconi. Eu me sinto meio amiga, mãe, irmã (risos). Tenho uma relação de muito carinho por ele.
Zelo – O que a senhora considera o maior desafio da educação no Brasil?
Raquel – A complexidade e a falta de diálogo dos vários atores da educação. O grande objetivo é fazer o aluno aprender. Só que para que isso aconteça, lá na sala de aula na relação aluno e professor, é preciso que passe, primeiro, pelos governos federal e estadual — que definem a quantidade de dinheiro a ser aplicada, quais são as leis, a legislação, o plano de carreira dos professores, currículo a ser adotado… Tem todo um aspecto da educação que está além da sala de aula. Além disso, há as instituições, a família, a mídia, a sociedade, que falam de educação, influenciam a área. Aí chegamos à escola: projeto pedagógico e personalidade do diretor; professor, metodologia, tipo de professor, formação do mesmo, personalidade. O aluno tem que lidar com diferentes professores. E os professores têm que lidar com 30, 40 alunos diferentes, cada um com suas especificidades.
Quando eu falo em falta de integração é porque a universidade está formando um tipo de professor, que não é o tipo que a rede precisa, a rede não sabe lidar com esse professor. Vem o MEC e avalia esses alunos de uma maneira que não é a qual eles estão sendo formados. O que falta no Brasil é essa conversação maior entre os níveis do ensino.
Os Países que já avançaram mais no ensino, fizeram pactos: o governo, a sociedade, as universidades, as escolas caminham na direção de o aluno aprender o que ele precisa aprender na idade certa, da maneira certa.
Hoje, se você perguntar para um professor de 4ª série o que um aluno desse ano deve saber, ele não sabe direito. O que é direito do aluno aprender quando ele tem oito anos? Precisamos conversar mais, nos entender mais. Fazer isso que o MEC tem chamado de “Sistema Nacional de Educação”, que se preocupa em fortalecer desde a educação infantil até a pós-graduação.
As próprias universidades não valorizam os professores. Incentivam os alunos a virar pesquisadores, a perseguir carreira acadêmica, fazendo mestrado, doutorado, pós-doutorado fora do País… Onde entra o professor nessa história? “Caso você não consiga nada disso, vá dar aula”. O que eu quero dizer é que nem a universidade, que é a formadora inicial dos professores valoriza a docência como ela deveria ser valorizada.

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