Na era da solidão

  • “O excesso de atividades, responsabilidades, tudo isso culmina na Síndrome do Pensamento Acelerado” (Foto: Cristiano Borges)
Por Alexandre Parrode
Considerado o autor mais lido da década, Augusto Cury não é apenas um expert em autoajuda. Psiquiatra, doutor em Psicoterapia e pesquisador, o paulista tem questionado a maneira como as pessoas se relacionam e lançado luz sobre a influência negativa que o excesso de informação causa à sociedade.
Em sua palestra “Ansiedade: Como Enfrentar o Mal do Século”, que leva o mesmo nome de seu mais recente best-seller, Augusto Cury sustenta que, embora vivamos em um mundo cada vez mais conectado, estamos perdendo nossa capacidade de interação. De volta a Goiânia, o médico falou para um Teatro Rio Vermelho abarrotado de fãs.
Antes de ser calorosamente aplaudido pelos goianienses, ele recebeu a redação da Zelo para debater sobre uma doença que acomete cerca de 80% da população mundial: a Síndrome do Pensamento Acelerado. Confira!
ZELO – O que é a Síndrome do Pensamento Acelerado?
Augusto Cury – É um tipo de ansiedade. Não é um nome novo para um problema velho, como alguns dizem. É um nome novo para um problema novo. Infelizmente, a humanidade está adoecendo rápido e coletivamente pelos excessos.
O excesso de informações, atividades e tecnologias. Todos os dias somos expostos a uma avalanche de estímulos, que se acumulam e, a partir de um fenômeno inconsciente chamado RAM (Registro Automático da Memória), que arquiva tudo a que somos expostos, saturam o córtex cerebral de uma maneira tão forte que aumenta o índice de Gasto de Energia Emocional Inútil, levando ao esgotamento cerebral e culminando na SPA.
ZELO – Quais são os sintomas?
Augusto Cury – Fadiga excessiva inexplicável, dores de cabeça e musculares, queda de cabelo, nó na garganta, pressão sanguínea elevada devido a fatores emocionais – causados pela SPA –, baixa tolerância para frustrações, dificuldade de conviver com pessoas lentas, transtornos do sono e o velho esquecimento, ou déficit de memória.
ZELO – O que podemos fazer para nos proteger e evitar que sejamos dominados pela SPA?
Augusto Cury – Em primeiro lugar, crianças e adolescentes têm que se aventurar, elaborar experiências, construir novas amizades, aprender a falar de si mesmos. Precisam ter experiências lúdicas – naturais e espontâneas. Temos que ter contato estreito com a natureza. Nossa espécie se afastou da natureza e construiu cidades artificiais.
Segundo, entender que não há como mudar as pessoas. Podemos ajudá-las a serem melhores, mas com atitudes positivas e não por meio de críticas excessivas, elevando o tom de voz, pressões e comparações. Em terceiro, renunciar a ser perfeito. Essa necessidade neurótica de estar sempre certo ou não aceitar frustrações é um grande problema.
E quarto, fazer um mapeamento dos fantasmas mentais. Pergunte-se quem você é, onde está. Descubra suas inseguranças, como estão suas relações, e o que pode fazer para se melhorar.
ZELO – Ao que parece, a SPA está intimamente relacionada à tecnologia. É isso mesmo?
Augusto Cury – Sim. À tecnologia, em especial. A síndrome surgiu do excesso de estímulo, do excesso de informação, pela internet, mas pela televisão também. A era digital deveria ter libertado o ser humano, mas o excesso de informação, não utilizado para construir experiências, o aprisiona.
ZELO – O senhor afirma que existem aproximadamente 80% de pessoas no mundo sofrendo de SPA, mas, no Brasil, por exemplo, menos da metade da população tem acesso à internet em casa. Como explicar isso em cidades pequenas e até mesmo no campo?
Augusto Cury – O excesso de consumo também estimula a Síndrome do Pensamento Acelerado. O excesso de atividades, responsabilidades, tudo isso culmina na SPA. Portanto, a era digital foi um fator incentivador, que colocou mais combustível no processo de aceleração, mas ele já vem há algumas décadas. Nós precisamos resgatar as coisas simples e anônimas, pois são elas que patrocinam emoções mais profundas.
ZELO – Como o senhor avalia o contato de crianças e até bebês com tablets e smartphones?
Augusto Cury – Isso é muito grave. Esse excesso de estímulos, de presentes, de atividades, vicia o córtex e faz com o que o cérebro necessite cada vez mais para sentir cada vez menos. Imagina como isso afeta uma criança.
É a cultura da mendicância do prazer. Precisam de muitos estímulos para sentir emoções básicas. Estamos na Era Digital, mas nunca tivemos tanta dificuldade de nos conectar com nós mesmos. Vivemos nas masmorras da solidão e, se a sociedade nos abandona, a solidão é suportável, mas se nós nos abandonarmos, ela é intolerável. Infelizmente, grande parte das pessoas tem se abandonado.
Se forem a uma escola, vão ficar assustados com a quantidade de crianças com dor de cabeça, dores no corpo, que sofrem por antecipação… E pior, que acordam de madrugada para acessar celular. Os pais não sabem, mas seus filhos estão com péssima qualidade de sono. Não apenas drogas viciam, mas usar o celular o dia todo também.
Com o objetivo de falar com esse público infanto-juvenil, anuncio com exclusividade para a imprensa goiana que vou lançar o livro “Ansiedade — Como Enfrentar o Mal do Século Para Filhos e Alunos”. Por meio de personagens lúdicos, ensinarei as crianças e adolescentes a terem autocontrole.
Chegou a vez de ensinar aos Filhos da Humanidade a trabalhar perdas e frustrações, a não ter medo da vida e a utilizar suas lágrimas para irrigar a maturidade, a entender que ninguém é digno do pódio se não usar de suas derrotas para conquistá-lo. A melhor educação não é só aquela que bombardeia o córtex cerebral com informações do mundo em que estamos. Precisamos falar do mundo que somos.
ZELO – O que aconselharia pais e responsáveis?
Augusto Cury – Que falem de suas emoções, das suas lágrimas, para que seus filhos aprendam a chorar as deles. Cedo ou tarde eles terão que enfrentar a vida, este contrato cujas cláusulas são escritas diariamente. Falem de seus fracassos, de suas derrotas, para que seus alunos e filhos entendam que ninguém é digno do sucesso senão utilizar de suas crises e fracassos, para conquistá-lo. A transferência do capital das experiências é fundamental para formar as chamadas “janelas lights” — arquivos saudáveis para subsidiar as funções não-cognitivas importantes: pensar antes de agir, se colocar no lugar do outro, expor e não impor ideias, proteger as emoções e gerenciar nossas mentes. São vitais para o futuro dos nossos filhos.

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